segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Toledices

Eu no Callejon del Diablo, famosa rua toledana em que um apóstata medievo foi obrigado a pendurar na sua janela o sambenito pintado com o rosto do Diabo que envergava diariamente, quando saía de casa. Terá sido daqui que veio a inspiração para as toalhas com as estampas do Menino Jesus?

E para que o Diabo não se sinta desenraizado em Toledo, alguém se lembrou de baptizar a rua de baixo (como convém) com o nome de Callejon del Infierno.

Na (in)famosa Plaza de S. Cipriano (o Verdadeiro Capa de Aço).

Quem diria que São Cipriano tinha uma padaria? E dá-se ao luxo de fechá-la ao Domingo, ainda por cima. Grandes vidas.

No final de uma viagem sulfúrica, com Diabos, Infernos e Sãos Ciprianos à mistura, nada como ir jantar à "La Abadia". Sim, porque os diabretes podem ser mais divertidos, mas nada supera a gastronomia dos seus opositores.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Intervenção Divina

Confusões com (figuras de) estilo

Usar-se a palavra metáfora quando é claro que se quer dizer alegoria.
Uma metáfora, cujo étimo grego significa transposição é o acto de transpor uma palavra para o lugar de outra, com a intenção de operar um efeito literário (positivo ou negativo) que funciona por comparação implícita: por exemplo, «Fulano de tal é burro». Ninguém espera que o sujeito do exemplo seja, de modo literal, representante da espécie asinina, mas que, por comparação implícita, se fique com a ideia de que possui faculdades com as quais os burros são conotados nas tradições populares (raciocínio coriáceo, teimosia, etc.). Por seu mérito, a alegoria (que significa figuração) é que se baseia na comparação de um termo concreto e um abstracto; ou seja: a função da alegoria é evidenciar objectos e mundos abstractos.

Por exemplo, o quadro A Carroça de Feno (De Wooiwagen, 1502) de Hyeronimus Bosch é um belo exemplo de uma alegoria, pois usa uma imagem (ou imagens) concretas para veicular significados abstractos.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Horror


«Tornar-se lenda é a ambição de todas as histórias.
Mas alguns homens também se tornam lendas. As suas vidas desaparecem e, transformados em lenda, tornam-se em histórias. E a ambição dos homens que se tornam histórias é serem boas histórias.
Todos conheciam a história do corcunda com a gaita.
Chegava de noite, embrulhado em treva como o Diabo que, certamente, adorava. Não falava. Não atacava ninguém. Penava pelos campos cultivados e pelas aldeias, tocando a gaita: um instrumento que assobiava como uma cobra e que chorava como uma criança.
As crianças, ouvindo o som da gaita, levantavam-se das camas e saíam de casa para seguir o músico até ao Inferno. Apenas as que dormiam um sono leve despertavam e as outras, acordando de manhã sem a companhia dos irmãos, sabiam que nunca mais os iriam ver. As famílias envergonhavam-se e mentiam, criando desculpas de doenças e acidentes, mas essas sepulturas eram sempre cenotáfios.
Uma vez, uma mulher encontrou uma flauta enquanto semeava o campo e fugiu. O marido correu para o lugar onde ela achara o objecto e apanhou-o: só podia ser uma das gaitas do corcunda, caída do instrumento quando ele passara ali de noite. Era feita de osso. Não soube explicar de que animal. Pensou em tocá-la, mas uma vertigem impediu-o de plantar os lábios no bocal. Suou. Estava cheio de medo! Partiu a flauta e enterrou os fragmentos no campo. Outros arrogavam que também tinham visto o corcunda desgrenhado; alguns admitiam ter falado com ele. Uma história acaba sempre por gerar outras piores, mas as crianças é que não deixavam de desaparecer.
Aquilo que a lenda conta é que as crianças fogem das casas onde são maltratadas, que são enviadas para viver com os tios na cidade porque os pais pobres não podem garantir-lhe o sustento, que são vendidas para servirem de serventes.
A história verdadeira é diferente.
As crianças desaparecem porque vão ao encontro dos monstros durante a noite. As crianças desaparecem porque são comidas por monstros durante a noite – monstros com fome de crianças. Monstros com fome de crianças e que as comem com presas e garras e esporões. As crianças desaparecem porque acreditam em histórias.»

O texto acima é um excerto do meu novo livro de contos de horror, a ser apresentado em exclusivo no próximo Fórum Fantástico, numa edição da Saída de Emergência. Fiquem atentos, porque em breve divulgarei o título do livro e outras novidades.

(Imagem: Poika ia Pääkallo de Magnus Enckell. 1893.)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sobre eReaders

No seu livro When Things Start to Think (Henry Holt & Co., 1999), o professor Neil Gershenfeld, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), enumera as vantagens que os livros têm em relação aos computadores: «Books boot instantly, and have a high-contrast/high-resolution display; they are viewable from any angle, in bright or dim light; they offer fast random access to any page, with instant visual and tactile feedback; they are easily annotated with no need for batteries or maintenance; and are robustly packaged.» A conclusão é: «If the book had been invented after the laptop it would be hailed as a great breakthrough!» (pg. 13).
Não sou tecnófobo, mas não acredito que tudo aquilo que a tecnologia oferece é capaz de simplificar ou resolver os nossos problemas; e no que diz respeito à leitura o único problema é a incapacidade de agarrar um livro, ler o conteúdo e compreendê-lo. O cérebro não é um músculo, mas trabalha como se fosse um, no sentido em que se fortifica e agiliza quanto mais for exercitado, e a leitura, que também não é um exercício, dá tanto trabalho como um grande esforço físico. É por esta razão que se lê tão pouco e tão mal: ler dá trabalho, ponto final. Nenhuma tecnologia é ou será capaz de resolver o problema da iliteracia, por mais fé com que se observe os gadgets.
Transfiro o que Gershenfeld escreveu sobre a vantagem dos livros em relação aos computadores para a problemática dos eBooks e dos aparelhos que permitem a sua leitura: os eReaders. A primeira pergunta a fazer é esta: o que é que se tem a ganhar com um eReader que não se ganhe, à partida, com um livro? A resposta é: nada. Pelo contrário: o eReader consome energia e, tal como qualquer outro electrodoméstico, como a torradeira ou o espremedor de citrinos, pode avariar-se de um momento para o outro ou até "comportar-se" de modo temperamental, escusando-se de funcionar por culpa das mais variadíssimas causas (as máquinas são sensíveis às condições climáticas, atmosféricas, ao pó, etc.).

Ler faz-se com livros. O que se faz com um eReader não é ler: é brincar. E se for com um eReader com ligação à Internet, então a brincadeira assume contornos quase multidimensionais, com múltiplas hiperligações para sites de venda de livros, pop-ups com anúncios a outros livros e ícones que abrem janelas para as últimas novidades do fabricante do próprio eReader. Em suma: é um universo de informação delirante e veloz, mas que tem tanto a ver com leitura como as batatas fritas que se vendem nas cadeias de fast-food têm a ver com batatas: zero. Ler num ecrã, mesmo que seja num ecrã supostamente preparado para o efeito, como os dos eReaders, não é conveniente à absorção - quanto mais à compreensão de textos - que tenham um tamanho maior que dois ou três parágrafos. Tenho muitas dúvidas sobre a qualidade de uma leitura feita num eReader e tenho quase a certeza de que o tempo irá demonstrar que a leitura e esta tecnologia não são compatíveis.
O modo como eu observo este problema é o seguinte: a mente humana é um produto do cérebro, mas, independentemente disso, é amoldada pelo corpo inteiro, o que significa que o modo como o corpo de um indivíduo experimenta o mundo influencia de forma cabal o desenvolvimento da mente; se fosse possível transplantar uma mente para um corpo diferente, ela mudaria passados poucos dias, porque o novo invólucro lhe forneceria diferentes sensações e experiências. É deste enunciado que parto para a análise da leitura nos eReaders: a leitura faz-se com o livro, porque o próprio livro, enquanto objecto, vai influenciar o leitor - o acto de agarrar e folhear um livro é parte constituinte da prática da leitura. A experiência de ler num eReader é uniforme: sem sobressaltos. O eBook é um "livro transplantado", tal como a hipotética mente transplantada do meu exemplo: extirpado do seu hardware natural (o papel), aquilo que o software (o texto) oferece é outro tipo de experiência. Não é leitura.

A atracção dos eReaders consiste em exclusivo na sua interactividade e isso ocorre porque vivemos numa época que valoriza as experiências empíricas que apelam à emotividade e não ao intelecto. Passem os olhos por um bloco publicitário em qualquer canal televisivo: a mensagem principal da maioria dos anúncios é "Na companhia dos teus amigos tudo é possível". Tudo é possível quando se está em grupo, comunicável e acessível no momento. O grupo é afectivo, aditivo e perigosamente uniformizador: as ideias não valem por si, mas têm que estar hiperligadas às experiências validadas pelo grupo, e os factos, seja de que área forem, são olhados com desconfiança quando não provém de dentro do grupo (o público) e são fornecidos por fontes de autoridade nos correspondentes campos de especialidade. Por oposição, a leitura apela ao ascetismo, à razão, à individualidade. Não admira que esteja fora de moda e a ser substituída. Será possível que, no futuro, ninguém terá a capacidade cognitiva ou competências intelectuais para ler e compreender uma narrativa longa, que exija um prolongamento temporal para além do momento da recepção, de maneira a ser usufruída? A tónica colocada na interactividade de que depende a comercialização de gadgets, como os eReaders, irá criar uma tendência ainda maior por experiências que sejam altamente estimulantes, em prejuízo de outras que se construam com a reflexão e a análise?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Novo livro de contos de horror


«Quando a luz dos faróis dos automóveis incidia na fachada do hospital criava a ilusão de que as janelas eram olhos que piscavam aos condutores; como se a casa dos doentes fosse uma prostituta que procurasse clientes, à beira da estrada. Elevando-se pela encosta, a estrada encaracolava até ao cume, antes de endereçar-se até à vila mais próxima, entornando-se como enol entre os edifícios. Em andamento, atravessava um apoucado arvoredo que sulcava um septo entre o desusado sepulcrário e o aquartelamento abandonado: no Verão era vulgar ver joggers a correr entre ambas as ruínas, quais formigas farejando feromonas.
O sistema imunológico do hospital defendia-o das doenças dos acamados e apenas a ferrugem, que brotava nas articulações antigas, consumia-o em acerbas dentadas; às vezes com violência, mormente quando o metabolismo de madeira e betão agia como um antídoto contra a moléstia que feria o ferro. Caibros tortos, rombos pelo peso, suportavam as camas e as salas de intervenção cirúrgica. Os elevadores tossiam gotas de óleo tão espessas como banha. Na morgue, cujo cheiro dos cadáveres nos gavetões refrigerados fazia lembrar o do taboulé, a tinta descascava-se das paredes em pétalas sarapintadas de humidade. No telhado, um ninho abandonado de cegonha sacrificava raminhos ao vento – ex-votos secos.
Deitado, Fortunato olhou para o saco de soro que comunicava com ele através de um cateter. Abanou o braço e a bolsa balouçou, como um cacho de pérolas, iluminada pela luz dos faróis que era empurrada pelas frestas das persianas e fazia feridas douradas na parede à sua frente. Estava sozinho num quarto com seis camas, oculto por uma cortina que não o deixava ver a porta. Mas por mais eficaz que aquele biombo fosse, não seria impermeável à morte e Fortunato sabia que ela estava a caminho. Talvez já estivesse escondida, à espera do momento certo para romper a cortina e mostrar-lhe o sorriso escaveirado que iria sugar-lhe a vida. Ou talvez a morte estivesse dentro dele, aninhada na concha escura que era a sua mente, envenenando-o com pesadelos. O homem virou a cabeça para o outro lado da cama e esticou o braço para agarrar um copo de água. Passou a vista pelas sombras: não sabia onde a morte estava, mas sabia que não tardava.
Por acidente, observou o seu reflexo no espelho que tinha na mesa-de-cabeceira e não se reconheceu. Não tinha dado conta que o horror se apoderara dele: as pupilas eram poças baças e os olhos pareciam escoar para dentro da cabeça. Os pulsos tremiam-lhe, criando cordilheiras de suor no lençol; ouviu o tubo do soro bater repetidas vezes no suporte de aço inoxidável, como se fosse um código do Inferno. Há quantas horas estaria assim? Desde aquela noite em África, de certeza, mas só o compreendeu naquele momento: a doença, como ácido precipitado sobre uma placa de cobre, derretera o supérfluo – a esperança – e depurado o essencial – o desespero –, criando-lhe uma tremenda máscara de medo na cara.
Pensou em estrelas e em fagulhas cuspidas de uma fogueira, nadando no éter como girinos incendiados. Ouviu latidos guturais que soavam como se tivessem sido ladrados por lobos, mas que saíram das gargantas de crianças. A Lua estava vermelha e inchada, como um planeta cheio de sangue. Morria de calor. Agarrou um gafanhoto que lhe subia pelo pescoço e espremeu-lhe as tripas. Olhou para a palma da mão. Estava limpa. O quarto pareceu-lhe mais pequeno. Só existia a sua cama. A cama e a janela. Uma silhueta infame floresceu nas feridas luminosas na parede.
Ele vem a caminho, pensou, rangendo os dentes. Vem mesmo.
E a certeza foi seguida por uma dúvida: se ele vem, será que eles também vêm?»

O texto reproduzido acima é um excerto do novo livro de contos de horror que irei lançar, pela Saída de Emergência, em exclusivo no próximo Fórum Fantástico.

Mais novidades em breve.

(Imagem: Têtes de Suppliciês, Théodore Géricault.)

Bibliohistórias


O escritor Pedro Almeida Vieira (A Mão Esquerda de Deus, A Corja Maldita) elaborou no seu site de Internet um completíssimo acervo sobre romances históricos portugueses, chamado biblioHistória, que compila títulos publicados desde o século XIX até ao presente. São mais de 320 autores e mais de 750 obras em lista, enriquecidos com biografias, currículos editoriais e excertos. Um arquivo de grande preço a consultar e a visitar com frequência.

domingo, 8 de agosto de 2010

Dez dicas sobre escrita

1- Não escrever como se fala.
Aquilo que é desculpável no decurso de uma conversa não é tolerável num texto. Poucas coisas são tão denunciadoras da falta de talento de um escritor como a coloquialidade.

2- Aprender a gramática.
É melhor aprendê-la que fingir que a ignorância é um estilo de escrita arrojado. A gramática é como as leis da física: não é negociável. O que significa que um texto que a descure é, na maioria das vezes, ilegível. Quando alguém diz que a gramática não é importante, esse alguém não sabe escrever.

3- Apesar de aprender a gramática, escrever como um escritor e não como um linguista.
Os linguistas odeiam literatura, porque a literatura porta-se mal. Na maioria das vezes, eles têm razão, mas isso não deve consistir num obstáculo à imaginação - que é aquilo de que se ocupa (ou deveria ocupar-se) a literatura. Livros como Finnegans Wake, A Clockwork Orange ou Riddley Walker são anátemas para os linguistas, mas sem esses títulos a cultura ocidental seria muitíssimo mais pobre. Todavia, não pensem, nem por um segundo, que Joyce, Burgess e Hoban não aprenderam gramática (dica número 2).

4- Escrever um livro e não um guião de cinema.
Nas listas de conselhos para aspirantes a escritores não é novidade encontrar a dica da economia de descrições, mas que tipo de descrições, ao fim e ao cabo, devem ser económicas? Eu acho que o leitor não precisa de saber a cor dos olhos de todas as personagens do livro, ou outros detalhes da mesma ordem, mas os ambientes e os estados de espírito dos protagonistas devem ser descritos com requinte. Afinal de contas, o leitor comprou um livro e não um guião de cinema, por isso não escrevam livros como se eles fossem guiões de cinema (vulgo, colecções de diálogos intercalados com acção). Infelizmente, a literatura dita de género é fartíssima em exemplos dessa natureza, o que afasta leitores experimentados em outros tipos de literatura, mais ricos em discurso indirecto. É aqui que reside, também, um erro de percepção de leitores menos experientes: é que ser empolgante apenas significa ser empolgante, não significa ser bem escrito. Sejam exigentes.

5- Ser erudito.
Sejam inteligentes a escrever.
Escrevam livros inteligentes e não tratem os leitores como se eles fossem parvos.
Não se pode saber tudo, mas pode-se tentar. Procurem estar sempre bem informados e actualizados sobre tudo. Tentem saber o máximo que conseguirem do assunto sobre o qual querem escrever. Invistam em livros e leiam todos os dias. Não há nada mais triste do que um escritor que não é erudito.

6- Ler os clássicos.
Os clássicos da literatura são a fonte de tudo o que se escreve, realiza e encena. Conheçam-nos bem e percebam de que maneiras é que ainda reverberam no presente e de que formas é que o vosso trabalho comunica com eles. Não me refiro, somente, à ficção, mas também aos clássicos da filosofia, da história, da teoria da arte. Não há nada mais triste do que um livro sem raízes: é ainda mais triste do que um escritor que não é erudito.

7- Ler os melhores autores que escrevem no género de literatura em que se quer singrar.
É essencial ler o que de melhor se escreve na área em que se quer fazer uma carreira (ignorem o pior, porque é uma perda de tempo). Não só nos obriga a questionar o que é que temos para oferecer que seja melhor que aquilo que estamos a ler, como nos faz evitar repetir ideias que já foram publicadas. Ler as melhores referências e conhecer bem a história do género literário em que se quer nidificar é tão vital para um escritor como o hidrogénio é vital para a tabela periódica e eu desconfio dos autores ou aspirantes a autores que desconhecem ou não mostram interesse nenhum em descobrir o que já foi escrito. Isto também se relaciona com a dica número 5.

8- Ser perseverante.
Qualquer um é capaz de começar a escrever um livro, mas terminá-lo é outra história. Escrever bem dá muito trabalho: por isso é que tantos desistem. Sejam perseverantes: não percam tempo com coisas inúteis. Se não têm tempo para escrever todos os dias, por motivos profissionais (ou outros), escolham um dia do fim de semana para passá-lo a escrever e não deixem que nada interfira com essa escolha.

9- Sacrificar-se.
É, somente, uma progressão da dica número 8. Não se pode ter o glamour que uma profissão artística, como a de escritor, traz, sem se ter, também, as horas invisíveis de trabalho árduo e sacrifício. Ser escritor é uma actividade solitária. Não desperdicem em actividades inúteis as horas que poderiam devotar à leitura e à aprendizagem. Fiquem em casa a escrever, porque os livros não se escrevem sozinhos. Tenham o objectivo de ser os melhores naquilo que fazem, senão não vale a pena.

10- Ser sério.
O humor tornou-se uma espécie de língua franca (e um refúgio) que permeia todas as áreas da vida, inclusive as artísticas, mas as consequências disso é que tudo passa a ter uma importância relativa, mesmo aquilo que é verdadeiramente importante. Atrevam-se a ser sérios.

Uma doença excêntrica do mercado do livro

O Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas, compêndio fabuloso de síndromes e maleitas imaginárias, inventadas por um conjunto dos melhores autores actuais de literatura fantástica, e editado em português pelas edições Saída de Emergência, corre o sério risco de passar abaixo do radar dos seus leitores em potência, porque alguns livreiros o andam a arrumar nas estantes erradas. Num périplo que fiz por algumas das melhores e mais concorridas livrarias de Lisboa encontrei este livro, que é de ficção fantástica, disposto nas secções de Saúde e Enfermagem, Medicina e até Esoterismo.

Este erro é, no meu entendimento, incompreensível, pois na própria contracapa do livro está expresso o género ao qual ele pertence (como, aliás, é apanágio de todos os títulos editados pela Saída de Emergência), já com o objectivo de esclarecer os livreiros e desfazer possíveis confusões antes delas acontecerem. Isso, pelos vistos, associado às informações pormenorizadas dos presses-releases editoriais, ainda não é suficiente e várias vezes pode-se encontrar livros expostos em locais inesperados. Contudo, nunca tinha visto um caso de troca de identidade tão excêntrico como este que envolve o Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas.

Poderia aproveitar este post para discorrer sobre o estado de acefalia crónica a que chegou o mercado do livro e o modo pré-formatado com que este é etiquetado, exposto e comercializado às massas, cada vez mais desprevenidas e desenraizadas, por livreiros que já não são especializados e que às vezes mais parecem revisteiros, na ânsia de promover a rotatividade dos títulos em exposição de maneira a encontrar uma galinha dos ovos de ouro todas as semanas.
Mas não vale a pena.
Como insistiu (é a palavra certa) um livreiro a quem fui avisar da má colocação do Almanaque na sua superfície comercial: «O colega da Saúde achou que o livro ficava bem ali e é ali que vai ficar.» Se o "colega da saúde", insigne especialista em literatura como é evidente, achou que o livro ficava bem onde foi arrumado, então, está tudo dito. Alguém devia dizer a certos empregados das livrarias que nem toda a gente que entra nas suas superfícies comerciais são patetas sem referências, em busca do livro do Cristiano Ronaldo: alguns são críticos, jornalistas e, no meu caso, escritores que além de odiarem ser tratados com condescendência, ainda podem lembrar-se de emitir opiniões desfavoráveis nos seus veículos públicos de expressão sobre o modo como foram tratados.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

14ª Feira do Livro de Peniche


No passado dia 30, estive na 14ª Feira do Livro de Peniche para conversar com os leitores sobre O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência). A apresentação, à qual se seguiu uma sessão de autógrafos, foi conduzida pelo professor Rogério Cação, Presidente da CerciPeniche e da Assembleia Municipal de Peniche (na foto acima). A ele e a Manuel Luís da Associação Juvenil de Peniche agradeço a cordialidade e profissionalismo com que me receberam.


«Depois de ler
O Evangelho do Enforcado, imagino o David embrenhado em livros e narrativas históricas, a descobrir factos e personagens reais que, com um fantástico toque de uma imaginação fértil, irão resultar num cruzamento do real com a ficção, contextos que, por vezes, se torna difícil distinguir, tão bem urdidos são os enredos e tão credíveis são as histórias individuais. É isso que o torna distinto de outros autores. (...) David Soares descreve-nos personagens que conhecemos dos livros de História, mas despidas de adornos fictícios ou, se quiserem, vestidas com as características que interessam ao autor e à história. E acreditem que David Soares não deixa essa capacidade de imaginar por mãos alheias, sempre muito ancorado num trabalho sério de pesquisa. (...) extremamente realista na descrição de situações que outros tipos de escrita relevariam, e que se torna fascinante pela vivacidade e credibilidade dos retratos de época que, por isso mesmo e ainda que não sejamos fãs do género ou que nos suscite alguma dúvida a pretensa ligação do autor a um certo tipo de narrativas onde o horror pode espreitar num canto qualquer, temos que ler. E não tenho dúvidas que, se o fizermos, corremos o risco de querermos mais.» (Excerto do texto da apresentação, escrito e lido por Rogério Cação.)