domingo, 12 de junho de 2011

Breve nota sobre os Santos Populares de Lisboa


No número 15 da Rua de Santos-O-Velho, em Lisboa, encontra-se a igreja paroquial homónima que durante três séculos guardou as relíquias dos três principais santos mártires da cidade: Veríssimo, Máxima e Júlia. Ainda podemos vê-los, junto à entrada da igreja, num baixo-relevo em que se apresentam com bastões nas mãos, invés das mais comuns palmas de martírio (já se verá porquê).

Nascidos em Lisboa, os três irmãos foram martirizados em 305, durante o domínio romano da Península Ibérica, a mando do Imperador Diocleciano, por terem recusado a obrigação redigida em edital de sacrificarem animais aos deuses pagãos. Uma vez prisioneiros, sofreram os martírios da fome, do potro, dos ferros incandescentes e, amarrados pelos pés às caudas de cavalos, ainda foram arrastados pelas ruas de Lisboa; depois de lapidados, os corpos foram decapitados e atirados ao Tejo, perto de Almada, com pesos amarrados aos pés. Independentemente disso, conta-nos o martirológio, os corpos deram à margem de Lisboa (antes dos barcos dos algozes regressarem), na zona em que hoje se ergue o Palácio dos Marqueses de Abrantes, a actual Embaixada de França.

Daí o topónimo Santos dessa área que, diz-se, começou por ser cumeada por uma humilde ermida, levantada por piedosos em memória dos três santos martirizados, e transformada posteriormente em igreja por D. Afonso Henriques após a conquista de Lisboa. Quanto a ser Santos-O-Velho, isso relaciona-se com o facto de D. João II ter mandado construir, para os lados de Xabregas, na orla oriental de Lisboa, um convento maior que albergasse as comendadeiras da Ordem de Santiago, cujo número elevado já tornava pequeno o seu convento de Santos. Este, doado aos freires de Santiago da Espada (os espatários) por D. Sancho II, passou quase de imediato a ser ocupado em exclusivo pelas mulheres, filhas e viúvas desses cavaleiros, convertendo-se no Mosteiro das Comendadeiras da Ordem de Santiago. Ora, desocupando esse velho e exíguo convento de Santos, em 1490, as freiras passaram para o novo e espaçoso convento de Xabregas (possui o maior claustro da Península Ibéria...), levando consigo as relíquias dos três santos mártires e, também, o topónimo. É pela influência da Ordem de Santiago que Veríssimo, Máxima e Júlia aparecem trajados à moda de São Tiago, o peregrino, no supra-mencionado baixo-relevo que se encontra sobre a entrada da igreja paroquial de Santos-O-Velho.

As referências às vidas e ao martírio de Veríssimo, Máxima e Júlia são escassas: conhece-se, por exemplo, o relato contido num códice pertencente ao acervo da biblioteca pública de Évora (o CV/1-23d) e a menção descrita no martirológio do monge Usuardo.

No meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010), Veríssimo, Máxima e Júlia são três prostitutos que, depois de mortos - martirizados... - pelo pintor Nuno Gonçalves, alcançam a santidade através do culto popular que lhes é prestado pelos mais pobres.

Imagem: Veríssimo, Máxima e Júlia numa pintura do artista maneirista português Garcia Fernandes (meados do século XVI).