quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Sobre os Vikings


Em Março, o Canal História vai estrear uma série intitulada Vikings, que, aparentemente, é um misto de história e ficção. O criador de Vikings é Michael Hirst, autor das séries The Tudors e Camelot - dificilmente exemplos de rigor histórico. A série é descrita desta forma: «Vikings will chronicle the adventures of Ragnar Lothbrock, an actual Norse hero from the Viking Age, as he rises to head of the Viking tribes». Mas, para começar, Ragnar Lothbrock, que se dizia descendente de Odin, provavelmente nunca existiu: é uma personagem fictícia, que figura no poema Ragnarsdrápa (final do século IX ou início do século X), inventada a partir de outras personagens que, provavelmente, também não existiram. Os relatos mitológicos dos deuses e heróis nórdicos que chegaram até nós foram quase todos escritos entre os séculos X e XIII (por cronistas islandeses), num período em que os chamados vikings já se tinham convertido ao cristianismo, e encontram-se impregnados de alusões cristãs, como no relato da morte de Odin, pendurado, perfurado por uma lança e ressuscitado poucos dias depois. A influência dos Evangelhos e dos relatos cristãos apócrifos na escrita destes materiais é, pois, um assunto que merece um estudo profundo.

A imagem popularizada por Hollywood (e, adivinha-se, por esta série) não corresponde à verdade histórica e é construída, em grande parte, pelas concepções imaginadas a partir de finais do século XVIII, durante o revivalismo viking que se operou durante o Romantismo (houve vários revivalismos durante o Romantismo: o grego, o romano, o egípcio, etc.). A própria palavra "viking" é altamente ambígua, porque, segundo as fontes mais antigas, apenas significa "viagem". Outra palavra da mesma família, "vikingr", surge em contextos nos quais os indivíduos citados se dedicam à pesca ou à pirataria; portanto, relacionada com o mar. Em suma: a palavra "viking" não é nenhum etnónimo. Existiram famílias e clãs escandinavos (dinamarqueses, suecos, noruegueses) que se dedicaram à pilhagem e à exploração marítima, mas nunca existiu nenhum povo "viking".

E estes escandinavos a que chamamos de vikings foram cristãos: o período das explorações "vikings" começou em Junho de 793, com a pilhagem do mosteiro de Lindisfarne, na costa norte inglesa, mas poucos anos depois, durante a primeira metade do século IX, estes indivíduos foram-se convertendo ao cristianismo. A rapidez com que essa conversão aconteceu indica a forte probabilidade de alguns deles já serem cristãos, para começar. Os escandinavos foram, acima de tudo, politeístas: adoptar mais um deus, cristão ou não, não era nenhum sacrifício - e Cristo, como é sabido, partilha muitas características do arquétipo de um deus solar, o que, sem dúvida, ajudou a uma adopção mais rápida. No século X, a Noruega, a Suécia e a Dinamarca tornaram-se, oficialmente, reinos cristãos. Leif Eriksson, o famoso viking, filho de Erik, o Vermelho, cristianizou a Gronelândia. Não obstante, existiu um povo nórdico - povo, de facto - que recusou o cristianismo até ao século XIX, altura em que foi pressionado pela Noruega a abandonar os seus costumes ancestrais: os Sami (Lapões) - não os vikings.

Mas, enfim, a imagem romântica criada pelos produtos de entretenimento irá sempre ser mais apelativa que a verdade histórica: agricultores escandinavos, de vários clãs e etnias, tornados comerciantes e sobretudo piratas, tanto pela ganância como pela infertilidade dos solos nórdicos. Não foram nenhum povo, nem de bárbaros, nem de nobres "pagãos", mas indivíduos obrigados pelo desespero à diáspora. Nunca usaram capacetes com cornos (quem usou capacetes com cornos foram os gauleses), mas deixaram-nos uma lição que se calhar nesta altura que atravessamos é mais importante ainda: quando se tem fome, a gente adapta-se a tudo - até se adapta a deixar a nossa terra, porque ela não dá pão suficiente.