sexta-feira, 19 de julho de 2013

Trezentos anos de Luís António Verney


Assinalando os trezentos anos do nascimento do polímate setecentista português Luís António Verney, mais conhecido pela autoria do livro O Verdadeiro Método de Estudar (1746), realizar-se-á uma conferência sobre a sua vida e obra na Biblioteca Nacional, no próximo dia 23 (terça-feira), às 18H00, com as participações dos oradores Octávio dos Santos, António Braz Teixeira, Pinharanda Gomes e Renato Epifânio, reconhecidos autores de obra literária e filosófica que, entre outras preocupações, perscruta a problemática da portugalidade.

Estrangeirado, Verney foi, também, uma mente preocupada com a portugalidade e com o estado das coisas do seu tempo, surgindo, de imediato, como um dos Aufklärer mais luminosos da nossa história. Aliás, foi um dos primeiros (talvez o primeiro) pensadores portugueses a desacreditar publicamente o Milagre de Ourique («é bem claro que isto tem aparências de comédia», escreveu na Carta 6 de O Verdadeiro Método de Estudar), que foi, até ao século XIX, a pedra basilar do edifício histórico nacional, no que concerne à fundação de Portugal - só a partir das invectivas de Alexandre Herculano (que chamou «essa fábula» ao Milagre de Ourique, atrevimento que lhe valeu violentos ataques pessoais por parte da elite oitocentista) é que essa visão mitológica da história de Portugal começou a ser recusada, em benefício de uma histografia factual. Contudo, a iconoclastia intelectual de Verney tem de ser contextualizada e lida à lente de um período em que o viço de um racionalismo ainda infante irrompia com irascibilidade contra tudo aquilo que era considerado inimigo da Luz e da Razão: só assim se explicam os ataques algo absurdos que pugnou contra a poesia de Camões e a prosa de Vieira.

Mas aquilo que, na minha opinião, não foi perdoado a Verney nem sequer foi a crítica antijesuítica (velada, ainda por cima, pela dedicatória irónica que abre O Verdadeiro Método de Estudar: trecho que lhe valeu, em 1771, no âmbito da perseguição à Companhia de Jesus, acusações de simpatia inaciana e a expropriação dos seus bens e a expulsão de Roma, onde residia na altura) ou a iconoclastia dirigida ao imaginário mitíco-religioso nacional: foi o facto de ter sido um feroz inimigo da falsa cultura - dos pseudo-intelectuais que, gazofilando génio alheio, agalonam-se de gigantes não passando de anões. A esses, Verney não perdou e dedicou-lhes as prosas mais derrisórias, mais enxovalhantes. Um erro crucial, num país anquilosado no nepotismo, no misoneísmo e fóbico de meritocracia.

No Portugal de hoje, como no de ontem, talvez ainda se marginalizasse Verney. Mas, autonomamente a isso, o facto de estarmos a falar sobre ele e sobre a sua obra, trezentos anos depois do seu nascimento, é a prova definitiva de que é impossível marginalizar ideias.