sábado, 30 de novembro de 2013

«Bairro Alto: Uma Cirurgia»

No próximo dia 13 de Dezembro, às 19H00, o Palácio Quintela, em Lisboa (Rua do Alecrim, 70), irá acolher o espectáculo Bairro Alto: Uma Cirurgia: actuação em spoken word com texto e voz meus e música de Charles Sangnoir (que também irá interpretar uma canção original, composta propositadamente para este espectáculo).

Bairro Alto: Uma Cirurgia consistirá numa erudita invocação psicogeográfica sobre esse local lisboeta inconfundível, interpretada no âmbito das Comemorações dos Quinhentos Anos do Bairro Alto. Será uma actuação única e exclusiva.

Conto com a vossa presença e agradeço a divulgação do espectáculo.



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um desmentido

Escrevo este desmentido em relação a algo que me foi dado a conhecer hoje.

Um dos meus amigos escritores, pertencente ao meio do Fantástico português, enviou-me por email uma ligação para uma resenha ao evento Fórum Fantástico 2013, escrita por um leitor, na qual é descrito que

«Das sessões a que fui, achei todas muito boas, em particular as Conversas de Horror, com David Soares, António Monteiro, Pedro Santasmarinas e José Pedro Lopes. O escritor, o académico e os realizadores, reunidos numa conversa semi-informal, marcada pelo tom algo agressivo do David Soares, que não esteve nos seus melhores momentos de argumentação, mas que teve também momentos bastante interessantes, como quando falou da diferença entre horror (nojo, repulsa) e o terror (no sentido de ficar assustado), num diálogo bastante interessante com António Monteiro» [sublinhado meu].

O meu amigo que me enviou esta ligação não esteve presente no Fórum Fantástico 2013, não assistiu à mesa-redonda Conversas de Horror e, como tal, perguntou-me, com espanto, que espécie de «tom algo agressivo» é que eu exibi durante o debate e qual a razão para que isso tivesse acontecido. Na resposta que lhe enviei, manifestei a minha completa estupefacção diante deste relato, que em nada corresponde à realidade: pelo contrário, se algo marcou as Conversas de Horror não foi um fictício «tom algo agressivo» que este leitor inventou para me atribuir, mas sim os aplausos espontâneos e entusiasmados de toda a assistência no final de uma das minhas intervenções sobre o tema do horror. Aplausos que dificilmente se explicariam no caso de, como inventou o leitor, eu não ter estado nos meus «melhores momentos de argumentação».

Por conseguinte, o desmentido que aqui publico tem como objectivo perspectivar de modo correcto os acontecimentos:

1) não existiu nenhum «tom algo agressivo» da minha parte durante a mesa-redonda Conversas de Horror no Fórum Fantástico 2013;

2) é falso que eu não tenha estado nos meus melhores momentos de argumentação, porque tive a surpresa e a satisfação de ter sido aplaudido de modo espontâneo por toda a assistência (menos o leitor que escreveu a supramencionada resenha do evento, provavelmente);

3) os participantes no debate ficaram em animada conversa informal uns com os outros (sobre livros e filmes) depois da mesa-redonda ter terminado, o que, só por si, deveria servir para afastar fantasmas (estamos a falar de horror, afinal de contas...) de tons algo agressivos e quejandos durante o debate.

De maneira geral, não dou importância ao que se escreve na Internet, mas achei que valia a pena publicar este desmentido, porque, com efeito, a distância que vai desta resenha à realidade é tão grande que se houvesse um vampiro em cada uma não se ouviriam berrar um ao outro. Em suma: a informação descrita na resenha é falsa e aproxima-se perigosamente do assassínio de carácter, porque quem não esteve presente no evento poderá ficar com uma ideia errada sobre a minha conduta no mesmo. 
Nesse sentido, apelo a quem possa ter filmado o evento na íntegra que entre em contacto comigo para que eu possa divulgar esse registo e demonstrar que tudo o que aqui escrevo é verdade. O meu endereço de email encontra-se na coluna do lado direito deste weblog. Obrigado.  


Excelente crítica argentina a «Palmas Para o Esquilo»





quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sobre o horror literário português

Na sequência da publicação do vídeo da mesa-redonda Conversas de Horror, ocorrida no âmbito do Fórum Fantástico 2013, lembrei-me de publicar aqui nos Cadernos de Daath um ensaio que escrevi em Novembro de 2007 e que reflecte sobre o problema de não exisitir uma tradição literária de horror (e de Fantástico, no geral) em Portugal. Este ensaio, intitulado Sobre o Fantástico na Literatura Portuguesa, publicado no terceiro número da revista BANG! (Saída de Emergência), foi pioneiro, porque é o primeiro texto que aponta a influência da Inquisição e da sua censura como os principais culpados de não existir uma tradição literária fantástica portuguesa; tese que, como irão ver, esclarece muitas interrogações que, mormente, são respondidas de modo inexacto, ingénuo e irresponsável.

Em 2011, a taxa portuguesa de analfabetismo era de 9%: cerca de um milhão de indivíduos que não sabiam ler e escrever (em finais do século XIX, as taxas de analfabetismo inglesas e alemãs eram, respectivamente, 1% e 0,50% - no mesmo período, a taxa portuguesa de analfabetismo era de 80%). A percentagem de indivíduos que valoriza e conhece a cultura é sempre baixa e num país como Portugal esses números serão ainda mais residuais. Falando em números, acrescento a curiosidade de que nem só nas letras estamos atrasados em relação ao resto da Europa: só na segunda metade do século XV é que adoptámos, paulatinamente, a numeração indo-árabe (e o primeiro livro de matemática português só foi publicado em 1519: o Tratado d'Arysmetica de Gaspar Nicolas).

A Inquisição só foi extirpada em 1821, a caminho de meados do século XIX. Antes disso, em 1768, Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro-ministro de D. José I, criou a Real Mesa Censória, um órgão do Santo Ofício que procurava e confiscava literaturas e informações subversivas: para o efeito, os agentes da Real Mesa Censória invadiam as casas dos indivíduos e recolhiam os livros que faziam parte da lista dos títulos proibidos (como as obras de Voltaire, Diderot ou Rousseau, entre outros autores). Em seguida, os livros apreendidos eram incinerados no Rossio e na Praça do Comércio. Oito anos antes, em 1760, o médico Ribeiro Sanches publicou o tratado Cartas Sobre a Educação da Mocidade, no qual defendeu a estratificação do ensino em dois modos, para os nobres e para a classe média: segundo este pedagogo que Pombal adoptou como modelo para a sua reforma do ensino básico e superior, o povo não deveria estudar, pois «que filho de pastor quererá ter aquele ofício se à idade de doze anos souber ler e escrever?». Faz lembrar as palavras de Salazar, ditas dois séculos depois: «se toda a gente souber ler e escrever, a instrução desvaloriza-se» (1935).

Estas são as razões fundamentais pelas quais não existe uma tradição portuguesa de fantástico literário: porque a Igreja é particularmente severa para com as manifestações e relatos sobre o sobrenatural - nenhum livro de horror passaria pelo crivo censório. É interessante notar que em outras latitudes o clero protestante acolheu com entusiasmo determinadas ideias fantásticas, como a possibilidade de Deus ter criado vida em outros planetas: a génese da ficção científica contemporânea remonta à primeira metade do século XIX e aos relatos fantásticos escritos por clérigos fascinados pelas sociedades interplanetárias. O seriado Great Astronomical Discoveries Lately Made by Sir John Herschel, L. L. D. F. R. S. &tc. at the Cape of Good Hope, publicado pelo jornal nova-iorquino The Sun em Agosto de 1835, informou o público de que a Lua tinha florestas, lagos e era habitada, entre outras espécies (como castores bípedes), por inteligentes híbridos de humano com morcego, capazes de construir igrejas. A descoberta só fora possível graças a um novíssimo procedimento óptico (descrito ao detalhe) que permitia a magnificação das imagens telescopiadas sem que elas perdessem definição. Estes textos, mistura de fantasia e realidade, foram escritos pelo editor do jornal, Richard Adams Locke, inspirado pelo cadinho cultural da altura, formado pelas crenças dos clérigos astrónomos. Poucos dias depois, a 3 de Setembro, James Gordon Bennett, editor do jornal rival Herald, chamou a esses textos «a scientific novel», antecipando em quarenta e um anos a designação «scientific fiction», criada por William H. L. Barnes na introdução que escreveu para a colectânea de homenagem póstuma a Caxton (W. H. Rhodes), e em noventa e um anos o uso dado por Hugo Gernsback no primeiro número da revista Amazing Stories.
Este é um exemplo fulcral de como uma tradição de literatura fantástica depende, de modo muito sensível, de fortes tradições de literacia, livre expressão de ideias e curiosidade intelectual, heranças que, infelizmente, ainda nos falecem.


Sobre o Fantástico na Literatura Portuguesa
           
Observar o modo como o Fantástico, enquanto género ou tonalidade de representação, foi sendo introduzido nas artes, desde as primeiras realizações culturais até hoje, é observar, ao mesmo tempo, mudanças expressivas nas consciências dos indivíduos: nós não pensámos sempre da mesma maneira. O Fantástico é uma excelente ferramenta para estudar essas mudanças porque, em simetria com as camadas estratigráficas que formam o subsolo, é capaz de conservar as preocupações que rodeiam os criadores, mas antes de prosseguir com o tema deste ensaio, e perceber quais os motivos pelos quais não é possível reconhecer uma tradição de literatura fantástica no cânone literário português, é importante definir, com brevidade, alguns conceitos.

O fantasma na máquina

O homem dotado de pensamento que se reconheça a si mesmo.
Hermes Trimegisto, Corpus Hermeticum

            Costuma apontar-se o período que correspondeu ao Renascimento como aquele em que a civilização ocidental se desagrilhoou da repressão medieval e, recuperando a tradição humanista das culturas grega e romana, progrediu em direcção ao modelo materialista do mundo que podemos observar hoje, contudo o fenómeno renascentista, longe de ter sido espontâneo e ter operado efeitos imediatos, foi, geograficamente, muito específico[1]. Os efeitos sociais, industriais e culturais que delegamos à intervenção do Renascimento são fruto de novíssimas formas de pensar o mundo desenvolvidas no período que se apelidou de Iluminismo. O Renascimento tratou-se de um movimento que conheceu raízes herméticas e que nunca se libertou de uma visão idealista do mundo[2]. Este “idealismo” nada tem a ver com a comum corrente filosófica, advogada por Hegel, entre outros, mas com uma percepção mais profunda que os indivíduos tinham do universo e do seu lugar na grande máquina do mundo; é legítimo dizer que até ao Iluminismo as civilizações acreditaram e se orientaram por uma explicação idealista do cosmos: uma interpretação sob a qual o mundo imaginal[3], o mundo das ideias, é mais real que o cenário físico em que nos movemos. Uma visão apoiada pela tese que expressa a criação da matéria pela mente e não o oposto.
            Para um indivíduo crente no sistema idealista do mundo a própria consciência é uma entidade. Isso foi bem satirizado no livro The Third Policeman de Flann O’Brien onde se pode ler que a personagem principal possui uma alma independente chamada Joe, com aspirações e objectivos diferentes dos seus. Na verdade, alma e espírito nunca foram a mesma coisa para os indivíduos crentes no modelo idealista do mundo: será preciso anotar que ambos foram conceitos distintos até à realização do oitavo concílio ecuménico (869-870), presidido pelos representantes do Papa João VIII; a unificação dos conceitos idealistas de alma e espírito serviu, sobretudo, para rasurar os credos herméticos dos textos eclesiásticos. Este momento é muito importante porque se o hermetismo idealista se divorciou dos textos e rituais da religião organizada continuou a ser transmitido não só no seio das sociedades secretas como através de um veículo insuspeito: o folclore.
            As inofensivas narrativas infantis que os ingleses chamam de “old wives’ tales” e “nursery rhymes”, os franceses de “contes de ma mère l’oye”, e os portugueses de “histórias da carochinha” são mensagens de sabedoria hermética disfarçadas de cantilenas e rimas para serem decoradas facilmente. Charles Perrault, Madame d’Aulnoy, Wilhelm e Jacob Grimm foram todos ocultistas que reuniram sabedoria hermética nesse formato: sob a máscara da historieta moral, narrada naquilo a que se chama “linguagem dos pássaros” em terminologia iniciática (ou, em calão popular português, “Espírito Santo d’Orelha”), poderiam ser difundidas ao abrigo da censura inquisitória e eclesiástica[4].
            Foi a partir do Iluminismo que mudámos o nosso modo de ler. Publicado em 1678, o primeiro romance moderno La Princesse de Clèves de Madame de La Fayette iniciou um movimento inédito que foi mimado pelos romancistas posteriores: o nascimento da narrativa do interior do indivíduo.
            A dádiva do nascimento do romance para a consciência do homem ocidental foi a noção que as vidas dos indivíduos poderiam ser histórias com princípio, meio e fim: sequências pertinentes de eventos e ocorrências – de aventura pessoal[5]. Embebida no materialismo filosófico que ameaçava derrubar o paradigma idealista do mundo, a nova consciência, assistida pelo nascimento das letras de expressão íntima, opostas às epopeias clássicas e outros relatos fabulosos de viagens, será responsável pela popularidade do herói individualista, desamarrado de responsabilidades colectivas. A abertura do mundo interno, da vivência isolada do outro, será hostil à inclusão de elementos fantásticos, apartados da vivência de todos os dias como ela é absorvida pelos cinco sentidos. Antes do nascimento do romance o cânone literário possuía dois modos: a “tragédia” e a “comédia”, sendo que a segunda era considerada uma forma menor de literatura. Contudo, a tragédia podia servir-se de elementos fantásticos sem correr o risco de ser olhada com soberba pela academia e pelos leitores. Só mais tarde o Fantástico começou a ser entendido como um modo obsoleto de contar histórias: uma velharia do sistema idealista de olhar o mundo.

Carne Rebelde

There would be tears and there would be strange laughter. Fierce births and deaths beneath umbrageous ceilings. And dreams, and violence, and disenchantment.
Meryn Peake, Titus Groan

A literatura fantástica é, por natureza, subversiva. Alguns dos temas que a compõem acabam por encontrar um reflexo em trabalhos literários insuspeitos. O conto gótico Six Weeks at Heppenheim de Elizabeth Gaskell possui, pelo menos, dois herdeiros de referência: os títulos Johnny Got His Gun de Dalton Trumbo e Die Verwandlung (A Metamorfose) de Franz Kafka. O livro The Private Memoirs and Confessions of a Justified Sinner de James Hogg antecipa o modelo plasmado por John Fowles em The Colector. Até Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago não pode deixar de evocar uma colagem a The Day of the Triffids de John Wyndam. Contudo, estes exemplos não são os melhores para debater o entrecruzar dos géneros fantásticos naqueles que em nada se lhes assemelham, porque não existe neles uma colagem ao modo como aquela que se pode ler nos romances editados sob a nomenclatura “Realismo Mágico”.
O realismo mágico, como hoje se compreende, é um epígono da tradição literária do Norte da Europa que encontrou maior expressão em autores sul-americanos como Juan Rulfo e Gabriel Garcia Marquez. O primeiro foi buscar inspiração e temas para Pedro Páramo ao livro Sjálfstætt fólk (Gente Independente) de Halldór Laxness, publicado vinte e um anos antes. Existem em ambos os romances o respigar da iconografia mítica e religiosa dos países de origem, misturada num árido contexto rural descrito com realismo agreste. A introdução dos elementos fantásticos (os fantasmas de Rulfo e os espectros e bruxas de Laxness) no panorama político e económico do período pós-revolução industrial, no qual grassava a extrema pobreza e a confusão das populações diante da perda da cultura ancestral face aos avanços da sociedade tecnológica, serve para criar alegorias que veiculam nostalgia e utopia (como a socialista). Por outro lado, atendendo ao tom das suas narrações, não considero Borges um escritor de realismo mágico, como foi, por exemplo, o autor holandês Gerard Reve, mas um escritor de ficção fantástica.
A partir do século XVIII a literatura fantástica concebeu uma corrente designada “romance gótico”, um spin-off dos romances de cavalaria[6]. Tratou-se, originalmente, de um produto anglo-saxónico que se generalizou pela Europa em diferentes denominações: “roman noir” em França, do qual o “giallo” italiano é um sucessor evidente, e “schauerroman” (romance de arrepios) em alemão. O género caracterizou-se pela criação de ambientes de elevada decadência arquitectónica e moral e pela integração total de elementos sobrenaturais (espíritos, monstros, demónios) em consórcio com as personagens humanas. Obras como Le Diable Amoreux de Jacques Cazote, La Morte Amoureuse de Théophile Gautier, The Monk de Matthew Lewis ou The Necromancer de Carl Friedrich Kahlert encontram-se entre os primeiros títulos que se atrevem a cruzar o sobrenatural, o disforme e o grotesco, com a sexualidade, vulgarmente tratada com pudor. Esta corrente de literatura fantástica influenciou toda a produção literária dos séculos XIX e XX no que diz respeito à ficção policial e de horror.

In the literature of the fantastic, necrophilia habitually assumes the form of a love consummated with vampires or with the dead who have returned among the living. This relation can once again be presented as the punishment for excessive sexual desire; but it may be present also without its receiving a negative value – as with the relation between Romuald and Clarimonde for instance. The priest discovers that Clarimonde is a female vampire, but this discovery produces no change in his feelings.[7]      
           
A sexualidade e a blasfémia presente nos romances góticos foram ainda muito influentes para o movimento simbólico e modernista, como se pode decalcar das obras de Charles Baudelaire, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud. Mas se estes autores se apropriaram dos códigos do Fantástico à guisa de alegoria – de símbolo – isso não invalidou o facto do género ter continuado a ser subversivo; uma literatura de adversidade à norma:

As a critical term ‘fantasy’ has been applied rather indiscriminately to any literature which does not give priority to realistic representation: myths, legends, folk and fairy tales, utopian allegories, dream visions, surrealist texts, science fiction, horror stories, all presenting realms ‘other’ than the human. A characteristic most frequently associated with literary fantasy has been its obdurate refusal of prevailing definitions of the ‘real’ or ‘possible’, a refusal amounting at times to violent opposition. (…) Such violation of dominant assumptions threatens to subvert (overturn, upset, undermine) rules and conventions taken to be normative. This is not in itself a socially subversive activity: it would naïve to equate fantasy with either anarchic or revolutionary politics. It does, however, disturb ‘rules’ of artistic representation and literature’s reproduction of the real.[8]

O texto prossegue com ênfase neste distúrbio da forma de representar artisticamente o mundo.

A morte é o meu ofício

«Nem os mortos escapam.»
Pregão popular português (séc. XVII?) sobre o costume que os oficiais da Inquisição tinham de desenterrar os indivíduos que eram condenados já cadáveres para os enforcar ou imolar.

Com uma lista de crimes a punir onde figuravam práticas como a «sodomia», o «erotismo» e a «concupiscência»[9] é flagrante que a Inquisição, implantada em Portugal em 1536 por D. João III, coagido pelo cunhado Carlos V, era uma fervorosa inimiga dos prazeres da carne. Contudo, também foi adversária do espírito já que perseguiu a burguesia intelectual portuguesa desde o século XVI até ao século XVIII: foram quase trezentos anos de violento jugo teocrático (duzentos e oitenta e cinco para ser rigoroso) que dominaram as artes e a cultura portuguesas – é ingénuo pensar que este legado não deixou sequelas.
Em 1539 Carlos V conseguiu a licença do Papa Paulo III para os Teólogos de Lovaina elaborarem um índice de livros a proibir. A primeira lista de livros portugueses proibidos foi publicada em 1547, mas seguiram-se mais duas em 1551 e 1561. O terceiro índice expurgatório é o mais completo, incluindo diversas instruções contra a compra, venda, troca e conservação dos títulos proibidos. Os visitantes vindos do estrangeiro estavam obrigados a mostrar os seus livros a um representante da Inquisição, e aqueles que herdavam bibliotecas familiares só poderiam usufruir delas após rígida inspecção. Os autores estavam classificados em três categorias: os de 1ª, aqueles cujas obras eram sumariamente rejeitadas; os de 2ª, aqueles que apenas seriam censurados em determinadas partes; e os de 3ª, os anónimos. Este terceiro índice foi organizado por Frei Bartolomeu Ferreira, censor de Camões em Os Lusíadas, e colocava de sobreaviso os leitores contra toda a literatura de ficção onde existissem referências ao amor e aos preceitos do clero. Proibia, inclusive, o livro Utopia do canonizado Thomas More. Será uma iniciativa calamitosa para a cultura renascentista portuguesa: entre os perseguidos pela Inquisição estiveram o humanista Jorge Ferreira de Vasconcelos, o cronista João de Barros (autor da primeira gramática europeia que há referência) e o escritor Bernardim Ribeiro. Gil Vicente foi perseguido e censurado pelas denúncias constantes que fez às desigualdades sociais, mas também os poetas Chiado, amigo íntimo de Camões, e Sá de Miranda (o pai do soneto português). Note-se que a Inquisição Portuguesa pecava por ser mais papista que o Papa, pois se em Espanha Don Quijote de La Mancha de Miguel de Cervantes circulava à vontade, e era um sucesso, encontrava-se proibido em Portugal.
Livros considerados heréticos, na esteira de Lutero e Calvino, e livros que mencionassem artes mágicas, como a astrologia e a adivinhação, não passavam no exame censório. Por conseguinte, podemos imaginar que a literatura fantástica realizada no período em que a Inquisição manteve o poder de purgar obras e autores não conheceu qualquer difusão junto dos leitores em potência. Lembrem-se que os mestres das Escolas dos Mistérios, e outros guardiães das doutrinas herméticas tiveram de encontrar outras formas de passar os ensinamentos uns aos outros, e ao público, como disfarçá-los de contos e lenga-lengas infantis, para fugir aos excessos de zelo dos inquisidores. Só depois da extinção do Conselho Geral do Santo Ofício, em 1821 – já em pleno século XIX! –, é que a literatura fantástica conseguiu, finalmente, penetrar no nosso país – e timidamente:

Quanto a autores, não os encontramos na nossa literatura de terror com individualidade e decididamente negros. Podemos, no entanto, destacar alguns, em cuja obra, avaliada em conjunto, é possível encontrar uma linha de influência constante dos objectivos, géneros e processos da escola. Além de Herculano, Rebelo da Silva, Camilo e Arnaldo Gama, há que mencionar Pereira da Cunha, Correia de Lacerda, Serpa Pimentel, Costa e Silva e Antónia Pusich. Daqueles que se restringiram praticamente a um género, temos, antes de todos, Mendes Leal Júnior, no teatro, e ainda Alfredo Hogan e Aires Pinto de Sousa, na novelística. As várias tendências literárias modernas, que se podem classificar de negras, não encontraram cultores em Portugal. [10]

O Fantástico, enquanto literatura de subversão, enquanto modelo herético de representação do mundo, afigurou-se perigoso para a ordem eclesiástica à guarida da Inquisição: se o mundo plasmado nos romances de literatura fantástica era caótico, selvagem, sem redenção ulterior, então Deus não assegurava a ordem natural das coisas – talvez até nem sequer existisse!... No modelo idealista do mundo as más intenções, aquelas que vão contra Deus, estão condenadas ao fracasso. Contudo, os cultores do género fantástico não só pareciam divertir-se com as obras como não eram castigados pela Providência. Esta observância subtil, mas terrível, seria capaz de derrubar os alicerces de qualquer crente que viesse a ser influenciado pela leitura ou pelo simples contacto com os livros.
Com efeito é inegável que a literatura fantástica se lavrou em território herético: nos países de expressão anglo-saxónica, e na Escandinávia, regidos por outras instituições que não a igreja católica apostólica romana. É extraordinário que em nenhumas das fontes que consultei sobre literatura fantástica esse facto seja sequer aflorado; o que não é de estranhar já que a maioria dos títulos ensaísticos que fazem parte da minha biblioteca são escritos por autores de expressão inglesa aos quais o conceito é alienígena. Faz falta uma obra que se dedique, de um modo empenhado, ao estudo da literatura fantástica portuguesa – ou à escassez dela –, mas, a escrever-se, acredito que a solução do enigma tem, necessariamente, de passar por aqui: pela repressão religiosa operada pela Inquisição durante quase trezentos anos sobre o tecido cultural do país, extinguindo quaisquer hipótese do género fantástico crescer e difundir-se pelos nossos antepassados leitores.
Sintetizando: o Fantástico é, por excelência, uma literatura de subversão porque faz imaginar, logo foi alvo preferencial da ordem teológica inaugurada pela Inquisição. Tal como em Portugal, também em outros países onde a cultura conheceu, e ainda conhece, uma forte influência religiosa não existe uma tradição literária devotada ao género fantástico.

Fahrenheit 451

Our biggest mistake was teaching them to read.
We won’t do that anymore. 
Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale.

O intervalo entre o término do regime teocrático da Inquisição e a instauração do regime teocrático do Estado Novo, em 1933, durou pouco mais de cem anos, tempo insuficiente para mudar o paradigma de profundo analfabetismo no qual o país se imergia. Até às vésperas da extinção do aparelho inquisitório publicaram-se em Portugal, em média anual, cerca de cem edições. Em França, em 1818, imprimiram-se 4917 livros e brochuras, mais do dobro do que Portugal publicou em vinte anos. À entrada do século XX a situação geral era a de analfabetismo: saber ler e escrever era uma excepção entre a população rural e, mesmo nas cidades, somente uma quarta parte dos homens havia frequentado algum grau de ensino.[11]
Em plena Inglaterra vitoriana já as mulheres liam e manifestavam opiniões; pouco depois, a partir de 1918, era-lhes reconhecido o direito de voto. Em Portugal isso só chegaria treze anos mais tarde. Portugal sempre fora um país hostil ao desenvolvimento literário e os cem anos que duraram entre o fim da Inquisição e o início da ditadura de Salazar não foram suficientes para colmatar essa lacuna. Entre 1911 e 1919, durante a Primeira República, o aparelho de Estado tomou várias medidas contra o analfabetismo criando os primeiros ensinos oficiais Pré-Primário e Primário Geral gratuitos. Criou as Escolas Normais de Lisboa e do Porto, a Faculdade de Direito de Lisboa, a Faculdade de Letras de Coimbra e do Porto e muitas escolas superiores que viriam a constituir as Universidades de Lisboa e Porto. As iniciativas de divulgação cultural e alfabetização foram exemplares: as Escolas Móveis, as conferências e os cursos nas províncias mais as bibliotecas itinerantes; estabeleceu-se a leitura pública de jornais em diversas aldeias. Contudo, logo a partir de 1926, com o início da ditadura militar do general Gomes da Costa, e o decreto-lei que instaurou a censura, o percurso foi interrompido. Como escreve Luiza Cortesão:

Não se pode deixar de melancolicamente reflectir sobre o que hoje seria o nosso povo se esta acção tivesse prosseguido.[12]

Saindo de uma censura para outra, igualmente teocrática, e quase imediatamente, nós não fomos capazes de criar, e sustentar, uma cultura literária saudável.
Através de uma propaganda muitíssimo bem desenhada, o regime do Estado Novo soube, de geração para geração, fomentar a ideia que o conhecimento, o progresso científico e a imaginação eram ferramentas luxuosas que não serviam o bom patriota, disposto a sacrificar-se pela nação.

E digo: este povo, para o que sente, já sabe demais. Intensifique-se a educação religiosa; proteja-se a instituição doméstica; olhe-se a sério pelo estado dos costumes deste povo – forme-se o carácter conveniente e, depois, voltamos à Instrução. O Padre Cruz faz mais, num dia, pelo bem de Portugal, do que os mestres primários todos juntos num ano. Ele não ensina a ler e a escrever: educa almas; arranca corações à perversidade – e quem sabe quantos lá foram lançados pela acção do A B C![13]

Será a única inteligência valiosa, considerável e útil à sociedade a que se revela na aptidão para as ciências e para as letras? (…) Uma criança inteligente filha de um operário hábil e honesto pode, na profissão de seu pai, vir a ser um trabalhador exímio, progressivo e apreciado, pode chegar a fazer parte do escol da sua profissão, e assim deve ser. Na mecânica da escola única, seleccionado pelo professor primário para estudar ciências para as quais o seu espírito não tem a mesma preparação hereditária que tem para o ofício, não passará nunca de um medíocre intelectual, quando muito um homem sábio mas incapaz de singrar na vida nova que lhe indicaram sem o ouvir. (…) Não é difícil de notar que há geralmente nas famílias uma ascensão da inteligência prática e recolhida até ao talento fecundo e brilhante. As ideias, as noções, as experiências vão-se elaborando através umas poucas de gerações até florir, em determinada altura, na pessoa de um dos membros da linhagem. (…) A gestação duma inteligência superior é trabalho de muitos anos, de séculos até. Resume-se nela toda a experiência de uma família, concentra-se então tudo quanto através das idades naquela linha de sucessão se foi acumulando no sub-consciente.[14]

            Durante quase meio século (de Maio de 1926 a Abril de 1974) a maioria dos artistas e escritores portugueses sentiram-se refreados, conscientes que a mais simples frase os poderia levar a confrontos indesejáveis com os censores:

Nessa única conversa que tive com um censor, ele trouxe-me um exemplar, censurado, com o célebre lápis azul da censura – exemplar que eu tenho em meu poder –, daquele meu livro Histórias de Amor, onde verifiquei que eles cortaram, logo a abrir, a palavra «nu», numa frase que começa assim: «estava nu em cima da cama…». Bastou-me ver isto para perceber que havia ali um propósito de queimar tudo e mais alguma coisa (…) Aliás, a simples referência ao Éluard e ao Pessoa (ao Fernando Pessoa, imagine-se só!), foram simplesmente abaixo.[15]

Não só as menções ao regime de Salazar, ao comunismo e à condição feminina foram censuradas. Tudo o que consistisse em laivos de laicismo e ataques à religião católica foi abafado; e também obras de ficção fantástica; como é exemplo Les Paradis Artificiels de Charles Baudelaire e outros autores contemporâneos. Existe um despacho que proíbe a publicação de um livro intitulado Contos de Terror, de vários autores do cânone e traduzido por José Vilhena[16]: a religião tratava de preencher o lugar vagado pela imaginação, pela fantasia. A paupérrima difusão de conhecimento científico, em desproporção à propaganda religiosa, contribuiu, de certeza, para que surgissem pouquíssimos autores portugueses de Ficção Científica, e ainda menos leitores.
Se um género se faz com autores, e editores, é verdade que também se faz de leitores: num país de gente que não lê, onde o analfabetismo foi fomentado pelas classes dirigentes, como mecanismo de controlo e hegemonia, sendo ainda observado com desconfiança pelas outras, é natural que não se verifiquem condições semelhantes às presentes nos países culturalmente mais ricos. Condições convenientes à saúde do tecido cultural.
É que nós, se calhar, ainda não aprendemos a sonhar.


David Soares, Novembro 2007.


[1] A History of Civilizations de Fernand Braudel (Penguin Books, 1993, pp 343-344) e The New Penguin History of the World de J. M. Roberts (Penguin Books, 1992, p 540).

[2] The Secret History of the World de Jonathan Black (Quercus, 2007, p 279) e Giordano Bruno and the Hermetic Tradition de Frances Yates (Routledge, 2002, pp 13-20).

[3] De acordo com a terminologia criada por Henri Corbin.

[4] A designação de “old wives’ tales” é a mais antiga e foi cunhada por Lúcio Apuleio em O Burro de Ouro como “anilis fabula”. In, From the Beast to the Blonde de Marina Warner (Farrar, Straus e Giroux, 1994, p 14).
      
[5] Ou aquilo que Umberto Eco apelida de «experiência pessoal do destinatário», in Sobre Literatura (Difel, 2002, pp 199-205).

[6]
Exemplos de poemas que poderão ter influenciado Walter Scott e Tobias Smollett, os “pais” do romance de cavalaria, são os épicos Beowulf (1010?), La Chanson de Roland (1150?) e Herzog Ernst (1180?). As chamadas “novelas do Graal”, cujo primeiro exemplo é consensual apontar-se como sendo Perceval, Le Conte du Graal de Chrétien de Troyes (1180-1190?), têm, por outro lado, raízes nos mitos galeses compilados numa sequência lógica, e dramática, em The Mabinogion por Evangeline Walton. São, por mérito próprio, um sub-género dentro dos romances de cavalaria já que possuem preocupações herméticas ausentes nos segundos. É seguro afirmar que os pioneiros do género gótico em Portugal, na tradição de Walpole e Radcliffe foram Alexandre Herculano com Eurico, o Presbítero (1844) e Almeida Garrett com Frei Luís de Sousa (1844). Convém também incluir Sampaio Bruno com o ensaio O Encoberto (1804) e o inacabado Os Cavaleiros do Amor, esboço para romance publicado postumamente em 1996.
   
[7] Tzvetan Todorov, in The Fantastic: A Structural Approach to a Literary Genre (Cornell University Press, 1975, pp 136-137). O excerto fala sobre La Morte Amoureuse de Théophile Gautier (1836).

[8] Rosemary Jackson, in Fantasy: The Literature of Subversion (Routledge, 1981, pp 13-14).

[9] In Judeus, Cristãos-Novos e a Inquisição de S. Alexandre (Prefácio, 2002, p 89). Ver também a obra em três volumes de Alexandre Herculano, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (Edições Europa-América).

[10]
Maria Leonor Machado de Sousa, in A Literatura “Negra” ou de Terror em Portugal: Séculos XVIII e XIX (Editorial Minerva, 1978, p 286).

[11]
In Diário da História de Portugal de José Hermano Saraiva e Maria Luísa Guerra (Selecções do Reader’s Digest, 1998, p 363). A acompanhar o texto encontra-se uma tabela muito completa com o número total de edições, reedições e traduções de obras estrangeiras realizadas nesse período.

[12] In Escola, Sociedade: Que Relação? (Edições Afrontamento, 1988, p 18).

[13] Alfredo Pimenta, in Escola, Sociedade: Que Relação? (Edições Afrontamento, 1988, p 209).

[14] Marcelo Caetano, in Escola, Sociedade: Que Relação? (Edições Afrontamento, 1988, pp 204-205).

[15] José Cardoso Pires, in A Censura de Salazar e Marcelo Caetano de Cândido de Azevedo (Editorial Caminho, 1999, pp 103-104). Outros dois tomos que iluminam esta questão da censura com documentação da época são Mutiladas e Proibidas de Cândido de Azevedo e Os Segredos da Censura de César Príncipe, ambos da Editorial Caminho (1997 e 1979, respectivamente).
 
[16] Os Segredos da Censura de César Príncipe (Editorial Caminho, 1979, p 122).


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Vídeo das Conversas de Horror no FF 2013



Vídeo da mesa-redonda Conversas de Horror, que decorreu no Fórum Fantástico 2013, no passado dia 15 de Novembro: são quase quarenta minutos de um debate (moderado por Rogério Ribeiro) que se estendeu durante hora e meia e no qual tive a surpresa e a satisfação de, no final da minha segunda intervenção, ter sido aplaudido espontaneamente por toda a assistência (momento que, infelizmente, este vídeo não chega a mostrar).
Embora muitíssimo desigual, foi um debate muitíssimo interessante que me deu vontade de, num futuro próximo, sintetizar aqui no weblog uma breve história do horror, com base nas minhas apuradas investigações (escrevi «breve», porque o tema só poderá ser desenvolvido de modo satisfatório num livro).

O vídeo publicado acima foi filmado pelo autor português de ficção científica Luís Filipe Silva. Se algum leitor dos Cadernos de Daath filmou integralmente esta conversa ou tem conhecimento da existência desse registo, por favor contacte-me através do endereço de email indicado no lado direito desta página, de modo a que eu possa divulgar o vídeo. Obrigado.

sábado, 16 de novembro de 2013

Excelente crítica em polaco a «Palmas Para o Esquilo»

Nesta ligação podem ler uma excelente crítica em polaco (por Jakub Jankowski) a Palmas Para o Esquilo (Kingpin Books, 2013), escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa: http://komiks.polter.pl/Varia-7-c26065

Podem traduzir a crítica no Google Translate: o texto em questão é a 16ª resenha do artigo, que apresenta críticas (pontuadas de 0 a 10) a diversos livros de banda desenhada portugueses e estrangeiros. Palmas Para o Esquilo é pontuado com um 9.




quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Trabalhos em progresso: «Sepulturas dos Pais» e «O Poema Morre»

Segue uma antevisão de Sepulturas dos Pais, o meu próximo livro de banda desenhada, escrito por mim e desenhado por André Coelho (que trabalhou comigo em É de Noite Que Faço as Perguntas). Este livro, cuja arte já vai a meio, será editado no próximo ano pela Kingpin Books e consiste numa história negríssima, mas de grande lirismo, passada numa aldeia de pescadores.
Escrevi Sepulturas dos Pais em 2003 e durante quase dez anos este argumento esteve num limbo imposto injustamente, porque o artista que convidei inicialmente para ilustrá-lo nunca desenhou uma única vinheta; entretanto, outros trabalhos meus foram vendo a luz, mas esta história, infelizmente, manteve-se na treva. Contudo, foi um pequeníssimo mal que veio por um grandessíssimo bem, porque a arte do André possui uma elegância, uma força e uma originalidade que falecem totalmente ao estilo do outro desenhador.
Assim, posso garantir que Sepulturas dos Pais é capaz de ser um dos casamentos mais perfeitos entre o tom de um dos meus argumentos e o tom da arte do desenhador convidado para o desenhar.





Resta falar sobre um novo argumento que terminei há poucos dias, intitulado O Poema Morre, e que será o livro que se seguirá a Sepulturas dos Pais. Ainda é cedo para revelar detalhes, como é óbvio, mas posso dizer que é uma história muito pesada e, ao mesmo tempo, muito lírica.


Existem outros títulos nos quais estou a trabalhar, em outros registos, sobre os quais falarei em outras ocasiões, mas, para já, o que importa reter é que Sepulturas dos Pais e O Poema Morre serão os meus próximos livros de banda desenhada. Não serão livros para toda a gente, mas os meus leitores não são "toda a gente": são especiais - e é muito estimulante saber que posso sempre contar com a sua disponibilidade para se deixarem desafiar.

  

Conversas de Horror

 
Recordo que na próxima sexta-feira, às 18H00, irei estar no Fórum Fantástico 2013 (Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa) para participar numa mesa-redonda denominada Conversas de Horror. Os meus companheiros de discussão serão o académico António Monteiro e os realizadores José Pedro Lopes e Pedro Santasmarinas.
O Fórum Fantástico é organizado por Rogério Ribeiro.

Quanto à imagem que ilustra este artigo, lembrei-me dela por duas boas razões: a primeira é porque se relaciona, cromatica e ictiologicamente, com o belo poster que assinala o evento deste ano (podem vê-lo aqui) e a segunda, mais relacionada comigo e com o tema sobre o qual vou botar faladura, é porque, como disse (disse mais ou menos, porque a minha memória já não é o que era) o crítico de arte australiano Robert Hughes, "há mais morte no quadro da truta anzolada, pintado por Courbet, que nas crucificações pintadas por Rubens" (e creiam que Hughes tinha razão: vejam a cara deste Cristo). Mais morte e, acrescento eu, mais horror, porque horror e morte andam de línguas enroladas.

Entretanto, os amantes de cultura popular que me estão a ler reconhecerão vestigialmente o nome do espantoso pintor francês Gustave Courbet por culpa da barracada armada há uns anos em Braga quando numa feira do livro a polícia confiscou cinco exemplares do título Pornocracia, da cineasta Catherine Breillat, cuja capa, que reproduz a pintura L'Origine du Monde (da autoria do supramencionado Courbet), exibindo a pogonotrófica pudenda de Joanna Hiffernan, amante do artista, enrubesceu as maçãs dos rostos de alguns leitores de domingo apanhados de surpresa. (Existem duas trutas courbetianas: uma, marronada, no Musée d'Orsay e esta, esmeraldina, na Kunsthaus de Zurique.)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

David Soares e Charles Sangnoir celebram os 500 anos do Bairro Alto


Para os fãs de epitrópicas emoções clinofóbicas, informo que eu e Charles Sangnoir iremos, novamente, unir em palco os nossos talentos para ofertar ao público insuspeito mais uma hemicubação sonora - desta feita, no âmbito das comemorações dos quinhentos anos do Bairro Alto, em Lisboa, que, para enriquecer o conhecimento dos culturalmente carentes que por aí andem, faz este ano a bonita idade de meio milénio.
A data - apropriadíssima - do nosso castigo será a sexta-feira 13 de Dezembro (em breve darei notícia do local e hora). Até lá, ponham a jeito o Fenergan - no dia do azar, virá tudo abaixo no Bairro Alto.

Agradecimentos especiais a Manuel J. Gandra pelo seu gentil convite.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Fórum Fantástico 2013


No próximo dia 15 de Novembro, às 15H00, abrirá ao público na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa, a edição deste ano do Fórum Fantástico, o mais importante evento do género em Portugal: serão três dias de apresentações, palestras e outras surpresas, sempre relacionadas com o debate e a divulgação do Fantástico nas artes. Este ano, o grande convidado internacional será o escritor inglês Ian McDonald, autor de River of Gods e Brasyl - aliás, será em volta deste título que orbitará a sua intervenção no Fórum Fantástico 2013, com a sua apresentação marcada para as 18H00 do dia 16 de Novembro.


Eu estarei presente no dia 15, às 18H00, para uma mesa-redonda intitulada Conversas de Horror, juntamente com o académico António Monteiro e os realizadores José Pedro Lopes e Pedro Santasmarinas.

O cartaz fabuloso é da autoria de Pedro Marques. O Fórum Fantástico é organizado por Rogério Ribeiro.