sexta-feira, 25 de abril de 2014

Contra as vanity presses



A emergência das chamadas vanity presses no nosso mercado do livro é um fenómeno intrigante, apenas compreensível quando cotejado com a ignorância do público-leitor e dos aspirantes a escritores sobre como funciona esse mercado, mas, também, com a complacência com que a sociedade portuguesa contemporânea olha para o oportunismo e para a charlatanice – principalmente quando estas defectividades usam gravata. É uma constatação que condiz com o facto de que Portugal é o terceiro país mais corrupto da Europa Ocidental e o trigésimo terceiro país mais corrupto do mundo. (Vale a pena reflectir sobre estes rankings vergonhosos.)

Esclarecendo quem não esteja familiarizado com o tema, informo que uma vanity press é uma falsa editora literária à qual os pretendentes a escritores pagam para que esta lhes imprima os manuscritos.
Segundo a Lei de Yog, cunhada pelo autor norte-americano James D. MacDonald, «o dinheiro deve ir sempre na direcção do autor» – é uma estratégia heurística que deveria servir de detector de embustes, mas há quem esteja disposto a pagar quantias elevadas às vanity presses (às vezes milhares de euros) para que o seu manuscrito seja impresso. Recuso a designação de publicado, porque, com efeito, não existe publicação nenhuma nessa situação: por via de uma publicação, o livro tem como destinatário um público-leitor; no caso de uma impressão feita por uma vanity press, o livro tem como alvo o próprio autor e os amigos dele, porque como não existe qualquer tipo de distribuição do livro para as livrarias (ou verifica-se uma distribuição tão residual que mais vale a pena dizer que ela não existe, de todo) estes é que têm de vender (ou oferecer) os livros cuja impressão pagaram e que o autor, entretanto, guardará numa arrecadação ou numa garagem.
Como o único objectivo de uma vanity press é fazer dinheiro à custa dos sonhos ou das vaidades dos candidatos a escritores (há quem seja enganado, mas também há quem saiba muito bem ao que vai), não existe nenhum filtro que decida quais os títulos que merecem ser impressos, facto que concorre para que se crie uma bolha de títulos péssimos, sem nenhum valor literário ou até sem um grau elementar de simples entretenimento. Sintetizando: se uma aparente editora pede dinheiro a um autor para lhe publicar o livro, ela não é editora nenhuma, mas uma vanity press – o equivalente literário da sanguessuga.

Contudo, as vanity presses, em toda a sua repugnância, não existem por virtude própria: existem para explorar o nicho de mercado aberto por manuscritos de candidatos a autores recusados por editoras. Nesse imenso conjunto de obras de mérito desigual exubera o lixo literário e manuscritos verdadeiramente inqualificáveis, mas é verdade que também existe uma pequena percentagem de obras interessantes. É lamentável que, por vezes, obras dessa natureza tenham de partilhar o espaço de escritos tão revoltantes que só puderam ver a luz do dia porque alguém pagou para que eles fossem impressos.

Leitores: não comprem livros impressos por vanity presses.
Aspirantes a escritores: não paguem para que os vossos manuscritos sejam impressos.