domingo, 11 de janeiro de 2015

Terrorismo e populismo


Não é apenas neste momento que o terrorismo de inspiração islâmica e o autoritarismo europeu de extrema-direita andam, indirectamente ou directamente, consorciados. Sabendo isso, lembrei-me de resgatar do fundo da estante este livro, com uma capa (e título) que considero pertinente e cuja leitura recomendo.

Na sequência do recente assassinato de colaboradores do semanário satírico francês Charlie Hebdo por militantes do islamismo extremo tem-se escrito e falado bastante sobre o tema da liberdade de expressão, mas penso que essa observação é um desvio da realidade: nós achamos que o crime foi um atentado à liberdade de expressão, mas tal conceito nunca passou, certamente, pelas mentes das criaturas que, de armas empunhadas, invadiram a redacção do citado jornal francês -- o objectivo delas foi, somente, punir actos considerados blasfemos; vulgo, as representações gráficas do profeta Maomé. Com efeito, o islamismo extremo não está preocupado com a liberdade de expressão (figura constitucional que nem sequer valoriza): na sua visão, os desenhadores mereceram morrer, somente porque desrespeitaram o tradicional aniconismo. Estamos, pois, diante de uma mentalidade radical, de cunho primitivo, para a qual a pena de morte ainda é o castigo reservado aos considerados blasfemos.

Na verdade, o islamismo, como fenómeno, concentra várias idiossincrasias que concorrem para radicalizações efectuadas por grupos e organizações muito distintas, que dele procedem ou que, no mínimo, nele encontram um espaço para medrar. Entre essas circunstâncias especiais, estarão, à partida, dois factores históricos importantes que influenciarão e consolidarão o extremismo: 1) ao contrário de outros profetas, pertencentes a outras religiões, como Cristo, por exemplo, Maomé foi, em simultâneo, líder religioso, líder político e líder militar e 2) o mundo islâmico não conheceu períodos intensos de fervilhação e debate culturais, análogos aos renascimentos (ducentista e quinhentista) e iluminismo (seiscentista e setecentista) europeus, em grande parte parte por culpa da proibição da introdução da tipografia de caracteres móveis, porque, segundo a antiga tradição, o Corão não podia ser impresso, apenas manuscrito. O facto de Maomé ter sido, também, um líder militar tem sido, certamente, uma influência fundamental para a radicalização de determinadas obediências islâmicas, como o wahabismo (nascido no século XVIII) e o qutbismo (criado no século XX), ambas de inspiração sunita -- ou ortodoxa. Por outro lado, a ausência de uma pretérita revolução literária, apoiada pela imprensa de caracteres móveis, terá impedido, no fundo, a popularização de vias islâmicas mais progressistas e até uma revolução filosófico-científica, como foi ocorrendo um pouco por toda a Europa durante os séculos XVII, XVIII e XIX.

Jean-Marie Le Pen, o líder histórico da Frente Nacional francesa, já disse há poucas horas que o jornal Charlie Hebdo era um inimigo do seu partido e que, por isso, não podia empatizar com o seu espírito «anarco-trotskista» e corrosivo da moralidade política. Bem observadas as coisas, aquilo que Le Pen está a dizer é que "o inimigo do meu inimigo, meu amigo é". Como demonstra a capa do livro que publico em anexo, já vimos coisas parecidas a acontecer. A nauseabunda queda para a catástrofe é abrupta e não se anuncia com antecedência.