terça-feira, 31 de maio de 2016

Sobre a banda desenhada "portuguesa"


Agora que decorre, até 12 de Junho, o XIIº Festival Internacional de BD de Beja, lembrei-me de anotar aqui algumas inquietações sobre a banda desenhada portuguesa.

Em primeiro plano, uma inquietação relacionada com essa designação de «portuguesa», como se houvesse, de facto, uma "escola", diga-se assim, ou um estilo reconhecível que cunhasse com um carácter distintivo, genuinamente português, a banda desenhada feita por autores portugueses. Acredito que não existe nenhum carácter distintivo ou escola dessa natureza, daí que, provavelmente, em toadas mais rigorosas, fosse mais proveitoso falar-se em banda desenhada feita por autores portugueses, embora reconheça, evidentemente, a facilidade comunicacional/discursiva de «banda desenhada portuguesa».

Com efeito, quando se fala em «banda desenhada francesa», «banda desenhada norte-americana» ou «banda desenhada japonesa», pese a diversidade de registos que, tantas vezes, escapam à atenção do público não-especializado, é possível falar-se, nessas latitudes, de escolas ou estilos reconhecíveis - de identidades colectivas.

Ora, não acho que a banda desenhada feita por autores portugueses seja particularizável desse modo; embora me lembre de, pelo menos, quatro algoritmos que têm regulado a produção de banda desenhada feita por autores portugueses:

1) adaptações de clássicos literários e versões de histórias de Portugal (actualmente com pouca expressão);

2) fortíssimo pendor para histórias passadas em ambientes exclusivamente - e abafadoramente - urbanos ou suburbanos, muitas vezes com alguma imagética devedora dos géneros policial ou noir (em principal nos fanzines);

3) domínio quase exclusivo de banda desenhada de autor, auto-editada ou não, com pouquíssimas incursões na banda desenhada comercial ou em que figurem personagens principais seriadas;

4) tendência para forte representação de autores portugueses de banda desenhada em produções originais estrangeiras - vulgo, personagens cujos direitos são detidos pelos grupos Marvel Comics-Disney, DC Comics-Time Warner, etc. (situação cada vez mais frequente, mercê da acessibilidade e facilidade de comunicação que a Internet proporciona).

(Imagem: um dos doze painéis sequenciais de azulejos do dito Padrão do Senhor Roubado, em Lisboa (1744), um dos múltiplos exemplos históricos - neste caso, português - de banda desenhada avant la lettre.)